segunda-feira, 1 de junho de 2009

Pedro: O Primeiro PAPA?

Por que, dentre todos os apóstolos, o único que teve o nome mudado foi Pedro? E por que o nome foi mudado justamente para “Pedra”? Por que todos os evangelistas, quando citam os apóstolos, sempre começam por Pedro ou Simão? Por que, num momento de tantas dúvidas dos discípulos sobre o cumprimento ou não da lei nos quesitos alimentares, é exatamente Pedro que tem a visão que fecha o assunto. Por que Deus parece querer sempre revelar a verdade por meio de Pedro? – B.

Prezada B., o nome de Pedro foi mudado para “pedregulho” (tradução de petrus) porque ele seria uma das bases da Igreja, que é fundamentada sobre a Pedra (petra, no grego). Pedro foi um líder importante da igreja cristã primitiva, mas a Bíblia menciona outros líderes como Tiago. Por ser mais impulsivo e enérgico, Pedro acaba se destacando.

Através de Mateus 16:16-20 tenta-se fazer crer que o apóstolo Pedro teria recebido de Cristo as “chaves dos Céu”, tornando-se, assim, o primeiro papa, ou cabeça visível da Igreja. Não é bem assim. Como este assunto é de fundamental importância, convido-o a procurar as referidas passagens em sua própria Bíblia:

1. De acordo com o próprio apóstolo Pedro, quem é a Pedra ou líder (cabeça) da Igreja? (ver Atos 4:8-12; 1 Pedro 2:4-8).

2. O que Paulo diz sobre o “fundamento da Igreja”? (1 Coríntios 3:11).

3. Discussão dos discípulos de Jesus (Mateus 18:1; Marcos 9:33-35; Lucas 22:24-26). Obs.: Essa discussão se deu após o suposto “primado” de Pedro. Se Cristo houvesse estabelecido Pedro como o “chefe”, os discípulos não teriam discutido sobre quem era o maior.

4. Paulo repreende a Pedro (Gálatas 2:11-16). Obs.: Segundo a concepção católica, o papa é infalível em matéria de fé e, portanto, seria um tanto estranho Paulo repreender ao “líder infalível”.

5. Quem cuidava da Igreja não era apenas Pedro (Atos 6:2; 14:22-25; 15:13,19; 12:17; 21:18; 1 Coríntios 15:7; Gálatas 2:9; Efésios 2:20; Apocalipse 21:14).

6. Em termos espirituais, é errado chamar alguém de pai (papa) (Mateus 23:9).

7. A Bíblia não autoriza que se ajoelhe diante de homens (Atos 10:25-26). Obs.: Também considera blasfêmia homens perdoarem pecados (ver Mateus 9:2-3; Marcos 2:7). Não se deve zombar de Deus fazendo o que Ele não permite (Gálatas 6:7; Apocalipse 19:10).

8. Pedro não possuía ouro nem prata, ao contrário do que se vê hoje no Vaticano (Atos 3:6).

9. Pedro era casado, contrariando o celibato (Mateus 8:14).

10. Jesus repreende a Pedro (Mateus 16:22-23). Obs.: Como Cristo poderia dizer “afasta te, satanás”, se Pedro fosse o papa?!?

11. Em Mateus 18:15-18, fica claro que o poder de “ligar e desligar” é da Igreja e não de alguém em especial. Aqui Jesus usa a expressão “ligardes” e “desligardes” no plural. A “chave”, como se nota em Lucas 11:52, é a própria Bíblia, pois ela pode nos garantir a entrada no Céu (leia João 5:39).

12. Então, quem é a verdadeira Pedra? (Efésios 2:19-22; Colossenses 1:18). Obs.: Como já indiquei acima, no grego, língua em que foi escrito o Novo Testamento, a palavra “pedra” tem duas grafias no texto: “...tu és petrus e sobre esta petra edificarei Minha Igreja.” Petrus significa pedra pequena, pedaço; e petra, Rocha. Cristo não poderia edificar a Igreja sobre algo tão inseguro quanto uma petrus. Por isso a Petra, a Rocha que é Cristo, é o único fundamento e “ninguém pode pôr outro” (1 Coríntios 3:11).

13. A “infalibilidade” do papa foi criada em 1870 pelo Concílio do Vaticano. Mas foi Leão I que deu ênfase ao primado de Pedro entre os apóstolos, ensinando que o que Pedro possuíra havia passado aos sucessores. Em 445, Leão I conseguiu que o Imperador do Ocidente, Valentiniano III, promulgasse um edito ordenando a todos que obedecessem ao Bispo de Roma – o papa – como portador que era do “primado” de Pedro. Entretanto, os autores católicos dos primeiros quatro séculos jamais defenderam, baseados em Mateus 16:18, que Pedro tenha recebido de Cristo qualquer primazia ou que ele tenha entregue esse poder aos bispos de Roma. Irineu e Eusébio estão de acordo nesse ponto: o primeiro bispo (ou papa) da Igreja de Roma foi Lino (ver História Eclesiástica de Eusébio, Livro III, c. 2).

Só para concluir, o notável gramático Eduardo Carlos Pereira nos chama a atenção para a forma do demonstrativo empregado – “esta” e não “essa”. “Esta” refere-se à pessoa que fala e “essa” à pessoa com quem se fala. Se a pedra fosse Pedro, o demonstrativo usado seria “essa” e não “esta”.

Que Deus a abençoe em sua procura pela verdade.

O Livro de Cantares

Por que Cantares foi incluído na Bíblia? Qual o valor desse livro? – M.

O livro de Cantares não é um cântico qualquer, mas é o “Cântico dos Cânticos” (shir hashîrîm, em hebraico), ou seja, “o melhor dos cânticos”, “o mais importante dos cânticos” de Salomão. O rabino Aquiba (morto em 135 d.C.) disse acerca desse cântico: “No mundo inteiro não há algo que se compare ao dia em que Cantares de Salomão foi dado a Israel. Todos os escritos são santos, mas Cantares de Salomão é santíssimo.”

Cantares é um dos menores livros da Bíblia. Tem oito capítulos e 117 versículos. Apesar de pequeno, é de difícil interpretação. Mesmo assim, é bastante popular entre judeus e cristãos. Esse livro está classificado no gênero literário Literatura Sapiencial, ou Literatura de Sabedoria – gênero que apresenta a filosofia ou a maneira de viver do povo hebreu e de outros povos do Oriente Próximo.

Os personagens principais de Cantares são o amado (talvez Salomão) e a amada, chamada de Sulamita – esta talvez seja Abisague, a Sunamita, moça de Suném, vilarejo da Galiléia, a mesma que cuidou do rei Davi quando ele estava idoso. Essa moça foi causa de briga entre Salomão e seu irmão Adonias, resultando na morte deste, conforme lemos em 1 Reis 1:1-4 e 2:13-25. A troca de “Sunamita” para “Sulamita” teria se dado para combinar com “Salomão”. Em hebraico “Salomão” e “Sulamita” têm a mesma raiz (shlm). No entanto, entre esses dois personagens principais quem mais se destaca é a amada. É ela quem toma a iniciativa e mais aparece no livro (dos 117 versos, 55 saem diretamente dos lábios dela). Como personagens secundários, aparecem ainda os guardas (5:7) e as “filhas de Jerusalém” (5:8), que fazem o coro.

O tema geral do livro é o amor. Mas que tipo de amor? Se bem que o amor platônico (sem sexo) esteja presente no livro, é o amor físico, erótico, que é ressaltado. Deve-se lembrar que a Bíblia não considera a sexualidade como algo pecaminoso. Ao contrário: a sexualidade é apresentada como um dom divino. Nossos primeiros pais foram criados seres sexuados, para procriação, companheirismo e apoio mútuo. E isso “era muito bom” (Gn 1:27, 31). “Cantares celebra a dignidade e a pureza do amor humano... é didático e moral em seus propósitos. Chega até nós neste mundo pecaminoso, em que a luxúria e a paixão mostram-se por toda parte, em que tentações ferozes nos assaltam e tentam prostrar-nos, quebrando o padrão de matrimônio dado por Deus. Cantares nos lembra de maneira particularmente bela como é puro e nobre o verdadeiro amor.”

Seis ensinamentos básicos sobre amor e sexualidade são apresentados em Cantares: (1) que o sexo é uma dádiva do Criador, (2) que o envolvimento sexual deve ocorrer com maturidade e responsabilidade, (3) que a virgindade deve ser preservada até o casamento, (4) que o amor deve ser expresso, (5) que, à semelhança de uma planta, o amor deve ser cultivado e regado, (6) que o amor verdadeiro inclui sexo, mas vai além dele, e (7) que o amor, como Deus, é eterno.

A Bíblia é machista?

Gostaria de saber a razão para a ordem de Paulo em 1 Coríntios 14:34, 35. Será que a mulher não pode falar na igreja? – W.

Os versos 34-36 de 1 Coríntios fazem parte da seção sobre a ordem no culto (14:26-40), e devem ser analisados à luz desse contexto. Ao olharmos essa seção, podemos ver o que estava perturbando a adoração pública na igreja de Corinto: (1) muitas partes e muitos oradores em um mesmo culto – 14:26; (2) diversas pessoas falando em línguas estrangeiras, ao mesmo tempo e sem intérprete – 14:27, 28; (3) vários profetas tentando transmitir sua mensagem, e todos ao mesmo tempo – 14:29-33; e (4) mulheres falando e perguntando durante o culto – 14:34, 35.

Reconhecemos que poucos versos bíblicos têm causado tanta discussão quanto esses, dirigidos à igreja de Corinto. Mas devemos estar certos de uma coisa: quando Paulo fala contra determinada prática na igreja é porque a mesma estava sendo prejudicial à comunidade cristã. E esse é o caso das mulheres falarem na igreja de Corinto.

Como se sabe, as mulheres no tempo de Paulo não falavam em público. Elas não deviam falar em público nem mesmo com o marido.

Então, o evangelho chegou à importante cidade de Corinto e muita gente se converteu, inclusive mulheres. Parece que elas interpretaram mal as palavras de Paulo de que “onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade” (2Co 3:17), e acharam que essa liberdade cristã lhes dava o direito de romper com os costumes aceitos pela sociedade em que viviam.

Essa prática de mulheres falarem no culto, nos dias de Paulo, era considerada “indecorosa” ou “vergonhosa” (14:35) “porque os costumes dos gregos e judeus ordenavam que as mulheres se retirassem quando se discutiam assuntos públicos. A violação desse costume era considerada uma desonra e estava trazendo vergonha para a igreja” (F. D. Nichol, Comentario Bíblico Adventista del Séptimo Dia, v. 6, p. 788).

As mulheres eram tidas em baixa conta, não só entre os gregos, mas também entre os judeus. “Muitos rabinos duvidavam que as mulheres tivessem alma. Se um escravo do sexo masculino podia ler as escrituras na sinagoga, uma mulher judia não tinha permissão para tanto. Nenhuma mulher podia frequentar as escolas de teologia. Na realidade, os rabinos afirmavam: ‘É preferível queimar a lei a ensiná-la a uma mulher!’” (R. N. Champlin, O Novo Testamento Interpretado, v. 4, p. 230).

Quando Paulo diz que às mulheres “não lhes é permitido falar; mas estejam submissas como também a lei o determina” (14:34), ele tem em mente a lei mosaica como um todo, especialmente Gênesis 3:16 e Números 30:8-12, passagens que fazem a mulher depender totalmente do marido, por estar sujeita a ele.

1 Coríntios 14:35 diz que, se a mulher quisesse aprender alguma coisa, perguntasse em casa ao marido. O fato é que nas sinagogas os homens podiam disputar, dialogar e fazer perguntas, as mulheres não. Fazer isso seria considerado ousado demais para os costumes dos judeus e gregos da época de Paulo.

Palavras tão enfáticas quanto às de 1 Coríntios 14:34 e 35 são as de 1 Timóteo 2:11 e 12: “A mulher aprenda em silêncio, com toda a submissão. E não permito que a mulher ensine, nem exerça autoridade de homem; esteja, porém, em silêncio.” A sociedade daquele tempo esperava que o homem ensinasse e a mulher aprendesse. Pelo visto, se uma mulher pretendesse ensinar, isso seria considerado como desempenho de um papel masculino e uma usurpação em relação ao papel do homem (O Novo Testamento Interpretado, v. 4, p. 231). É nesse contexto que as palavras do apóstolo Paulo devem ser entendidas, e não à luz dos costumes de hoje, especialmente nos países ocidentais, onde as mulheres atuam, praticamente, em todas as áreas, e isso não é considerado “vergonhoso”, nem “indecente”.

O problema em Corinto parece que tinha mais que ver com a fala das mulheres no culto público. Elas deviam ficar caladas “na igreja” (14:34), pois, pelo que podemos perceber ao longo das páginas do Novo Testamento, elas poderiam falar em reuniões particulares, até mesmo ensinando, como aconteceu com Priscila, que, juntamente com o marido Áquila, ensinou, com mais exatidão o “caminho de Deus” a Apolo (At 18:24-26). Também digno de menção é o nome de Febe, diaconisa de Cencréia, um porto de Corinto, provável portadora da epístola de Paulo aos Romanos (ver Rm 16:1). O fato de ela ser uma “diaconisa” (no grego diákonos) pode indicar sua participação ativa, usando a voz na pregação do evangelho, tal como os diáconos escolhidos pela igreja em Atos 6, dentre os quais se destacam Estêvão, que pregava o evangelho com palavras cheias de sabedoria e poder do Espírito Santo (At 6:10) e Filipe, o evangelista (At 8:4-8; 21:8), cujas quatro filhas eram profetisas (At 21:9).

E hoje, como aplicar as palavras de Paulo quanto ao silêncio das mulheres no culto público? Como os tempos mudaram e a situação das mulheres na sociedade também (ao menos nos países ocidentais), devemos atentar agora ao princípio que está contido nas palavras do apóstolo aos gentios, que é o de se buscar a decência e a ordem (1Co 14:40) em tudo quanto fizermos, especialmente no culto, “pois Deus não é Deus de confusão” (1Co 14:33). E isso vale tanto para as mulheres quanto para os homens.

E, por último, uma palavra de apreço às mulheres por sua inestimável atuação em todas as áreas, especialmente às professoras (de ensino religioso, na igreja, e de matérias seculares, nas escolas) e outras que lideram departamentos da igreja, que usam a voz para abençoar os membros do corpo de Cristo e à comunidade em geral.

(Ozeas Caldas Moura, doutor em Teologia Bíblica e editor na Casa Publicadora Brasileira.)